ARGUMENTO

Novo Argumento


19.09.2024




Número 180
Setembro 2024, 36 págs.

Esta semana retomamos a edição do ARGUMENTO na companhia de um novo dossier de entrevistas. Até certo ponto os produtores não são os protagonistas mais destacados do cinema, mas através deles vislumbramos aspectos fundamentais deste meio. Veja-se o que Pedro Fernandes Duarte explica na sua entrevista a Diogo V. Machado: “Tudo o que está atrás da câmara reflecte-se na imagem que fica à frente da câmara.” Claro que o balanço se faz no fim, mas auguramos um dossier importante para acompanhar nos próximos números. Para começar, o ARGUMENTO dá a palavra a Pedro Duarte, da fulgurante Primeira Idade.

Também em destaque Silvestre de João César Monteiro, revisto pelo historiador e professor Richard Peña, Carlos Losilla e o seu diário - como sabem, é com muito gosto que traduzimos e publicamos o recente trabalho do escritor e professor catalão, inédito em Portugal e em português. E a discussão sobre o cânone cinematográfico, desta vez na perspectiva de Lucas Santos, assim como as Kartas Telepátykas por Edgar Pêra. Nas páginas finais partilhamos com os nossos estimados leitores a ilustração de Dany Ferreira. Fecho de edição com muito brilho e a transbordar de gosto pelo cinema. Boas leituras! 📒

ASSINAR O ARGUMENTO
É dos nossos leitores e associados do CINE CLUBE que dependemos.
Ajude-nos a defender a autonomia do projecto, tornando-se assinante.
Ou propondo a assinatura a um amigo.

Descubra como.

 

EDITORIAL

“A map of the world that does not include Utopia is not worth even glancing at, for it leaves out the one country at which Humanity is always landing. And when Humanity lands there, it looks out, and, seeing a better country, set sail.”

— Oscar Wilde, The Soul of Man Under Socialism



ΓΝΩΘΙ ΣΕΑΥΤΟΝ 
O pior conselho do nosso tempo é “Sê quem és”, versão diametralmente oposta ao adágio apolíneo “Conhece-te a ti mesmo” (poupem as divagações hermenêuticas). Suponha-se o problema de alguém que, inebriado pelo preceito moderno, se descobre sádico e psicótico – como pode “ser quem é”, sem ir parar à prisão? Logo se arranjou uma resposta mais subtil para o sadismo incipiente e esparsamente difundido: “Sê banqueiro.”
Para os demais, indecisos, inseguros da interpretação do oráculo que lhes coube, o percurso não é, infelizmente, tão evidente.

NA CORDA BAMBA
Sonhar é o mais terrível exercício de equilibrismo. Atravessar a vida entre um mundo imaginário e um mundo real, pressentindo aqui e ali que ambos são insustentáveis por si. Uns caem para um lado, para dentro de castelos muralhados onde ninguém fala a sua língua, outros tombam para o outro, onde o sonho é trocado por maiores ou menores montes de moedas e por uma apatia total anulada somente pela ganância e pela dominação.
É talvez por isso que as culturas que levaram por diante o cinema com maior vigor tinham, a par de grandes copas sobre as nuvens, raízes profundas na terra. Assim, os sonhadores equilibristas podiam descer e subir com maior segurança, conhecer um e outro mundos, e decidir onde melhor passar o seu tempo.

TÉCNICA DE CULTURA AVANÇADA
Nem todas as necessidades se superam através do constante dispêndio de energia. O predador despende um enorme esforço na perseguição. A presa aguarda que a natureza se regenere e lhe providencie alimento. O esforço criador requer as duas componentes – aguardar e perseguir – sonhar e criar. Mas como o mundo moderno conhece apenas uma delas, não admira que o cinema esteja ameaçado.

Quando plantamos uma árvore com vista à obtenção do seu fruto, é necessária iniciativa para plantar primeiro, depois para colher, mas entre esses dois momentos o tempo tem de operar misteriosamente sobre a árvore. Resta esperar.
Mas esta árvore torpe que somos obrigados a plantar e cuidar hoje incessantemente, que nos dizem crescer e crescer sem parar, requer constante sangue e suor, permanente degradação da vitalidade e aniquilação da liberdade de pensamento, para no fim produzir nada mais que um fruto podre ou uma semente estéril. Pois se esta árvore não dá sonho nem cinema, digo: cortemo-la e plantemos uma nova.

JOGO DE SOMBRAS
Dizer que há algo de profundamente errado com o cinema é o mesmo que dizer que há algo de profundamente errado com a vida. Inevitavelmente, mesmo que não queira admiti-lo, aquele que entra hoje na sala escura pressente que está diante da sombra de algo que outrora manifestou pleno vigor.*
Parecemos viver num daqueles períodos da história em que, após a vida e morte de um grande e inesperado poeta, a cultura atravessa um pântano, através do qual a linguagem se arrasta sem capacidade de reinvenção e acaba por se fragmentar ou esmorecer.

Alguns repudiarão esta ideia como pessimista. Porque vamos sobrevivendo de esmolas, por vezes evitamos enfrentar a abominável realidade que uns poucos construíram. Os nossos congéneres do passado não tinham acesso a bibliotecas, que desculpa temos nós? Devíamos ter já a certeza de que a imaginação não floresce da violência abjecta, da miséria nem da exploração de uns sobre os outros.
Quanto ao cinema, se a sua sombra não vos revela vitalidade é porque os nossos olhos se acostumaram a ela. Não é um mal que o cinema fraqueje. O cinema é apenas uma manifestação do espírito. É um mal que o espírito esmoreça e o sonho seja consumido pela miséria.

A necessidade, mãe de toda a invenção, determinará se o cinema vive ou morre. No que nos diz respeito, pode ter chegado a altura – como sempre chega – de afastar os olhos da sombra e olhar de frente a forma que a projecta. Podia ter escrito um certo poeta português, numa noite em que a vida pesava um pouco mais do que o costume: o que importa não é o cinema, mas a vida. E onde houver vida haverá cinema.

A vida não é para se escrever.
A vida é para se viver, não é para se fazer dela literatura.**
Miguel Torga, Diário I


* As hipóteses avançadas resultam da ignorância do autor do texto e não reflectem necessariamente nenhuma visão institucional.

** Truncado para máximo efeito.
Reclamações para editorial@cineclubeviseu.pt





ARQUIVO
Entrevista à artista visual Ângela Romanito (edição 177)
Entrevista à música e artista visual Joana de Sá (edição 176)
Na edição 175 falámos com o ilustrador Mantraste!
Entrevista a Neil Gaiman por Edgar Pêra (para a série Cinecomix!!!)
Viseu, 1985, o primeiro ciclo dedicado a Pier Paolo Pasolini
Entrevista a Margarita Ledo, realizadora galega de Nación
Na edição 169 falámos com
Ana Eliseu!

A outra dimensão da conversa com Tommi Musturi (edição 167)...

Na edição 166 falámos com Dartagnan Zavalla!




 


O Cine Clube de Viseu oferece a todos a oportunidade de experienciar, descobrir e aprender mais sobre o mundo do cinema, audiovisual e cultura visual.
︎ Terça a sexta, das 9h30 às 13h00 
︎ Rua Escura 62, Apartado 2102, 3500-130 Viseu
︎ (+351) 232 432 760 
︎ geral@cineclubeviseu.pt