ARGUMENTO
Novo Argumento
02.04.2024
Número 178
Abril 2024, 32 págs.
Índice de artigos
︎O LIVRO DE IMAGEM DE GODARD E ARAGNO
Um filme que é também uma exposição, Na Retina de Maria João Madeira
︎40 ANOS ARGUMENTO
Textos da história da nossa publicação, resgatando o que é dito pelos e sobre os associados. E há especial aniversário de Edgar Pêra
︎A MAISON CINÉMA DE PEDRO COSTA
O realizador Júlio Alves aventurou-se no edifício-cinema de Pedro Costa
︎A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO SECTOR DO CINEMA
O estado das coisas pela voz da MUTIM - Mulheres Trabalhadoras da Imagem em Movimento
︎DEAMBULAÇÕES
Terceiro capítulo do Diario de Cine do escritor e professor catalão Carlos Losilla
︎OBSERVATÓRIO
Viagem ao País das Maravilhas através do traço da ilustradora Beatriz Dias
︎E ainda...
O Bilhete-Postal do Zagreb Kinoklub (Zagreb, Croácia) e Livros do Trimestre!
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Índice de artigos
︎O LIVRO DE IMAGEM DE GODARD E ARAGNO
Um filme que é também uma exposição, Na Retina de Maria João Madeira
︎40 ANOS ARGUMENTO
Textos da história da nossa publicação, resgatando o que é dito pelos e sobre os associados. E há especial aniversário de Edgar Pêra
︎A MAISON CINÉMA DE PEDRO COSTA
O realizador Júlio Alves aventurou-se no edifício-cinema de Pedro Costa
︎A SITUAÇÃO DAS MULHERES NO SECTOR DO CINEMA
O estado das coisas pela voz da MUTIM - Mulheres Trabalhadoras da Imagem em Movimento
︎DEAMBULAÇÕES
Terceiro capítulo do Diario de Cine do escritor e professor catalão Carlos Losilla
︎OBSERVATÓRIO
Viagem ao País das Maravilhas através do traço da ilustradora Beatriz Dias
︎E ainda...
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EDITORIAL
Quando eu era pequeno, sabia que só me restavam duas opções: tornar-me um índio ou um dinossauro.
Como eu, qualquer criança sabe perfeitamente quais são as suas opções, não mais do que uma ou duas, e como é imperativo concretizá-las. Não triunfando nessa tarefa — se foram crianças um dia, descobriram que as hipóteses podem ser desafiantes —, é forçoso tornar-se saudável e aprender a viver na civilização. Excepto se...
ALGUM LOUCO INVENTOU O CINEMA
Para um indivíduo saudável, não há propósito no cinema. Mas também qual é o propósito de um indivíduo saudável? Para além dele, muitos outros estão interditos do propósito do cinema: o homem de negócios, o senhor ministro... ah, e o crítico de cinema, naturalmente. Os demais, à partida, conservam intacta a capacidade de ver um filme. A loucura — ou, como se diz hoje, patologia mental —, o Manual de Diagnóstico de Transtornos Mentais (dsm-5) da Associação Americana de Psiquiatria identifica como “o padrão persistente de experiência interna e de comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo”. Ora, o que esta associação de indivíduos aparentemente saudáveis vem confirmar é, nada mais nada menos, do que a hipótese do Sr. Huxley, tão famosa nos dias que correm: No meio de loucos, o homem são é tomado por doente. Seja louvada...
A LOUCURA DO CINEMA
Toda a gente sabe que para ver um filme é necessário ser-se suficientemente louco e, para fazer um, sê-lo completamente. Nisso reside a magia da sétima arte: reintroduzir a loucura na civilização sã. Ou será a sanidade numa sociedade doente? No cinema, é tudo uma questão de perspectiva.
De que é necessário acreditar que um filme, como qualquer produto da criatividade, é real e bem mais real do que real, o espectador sisudo discordará. Mas reparem, por exemplo, que O Rei ia Nu na Dinamarca de 1837 e, quase 200 anos volvidos, ainda o seu séquito se perde de vista no horizonte. O Sr. Hans escrevia histórias bem reais, mas para os seus leitores sãos não o tomarem por louco, dizia que eram para crianças.
Levantada a dúvida, e até termos a certeza de quem tem juízo no meio disto tudo, parece-me prudente preservar o cinema por mais algum tempo. Afinal, ainda é importante recordar...
EL CINEMA DORADO DE 1974
O ano de 1974 foi prolífico para o cinema: Coppola (O Padrinho Parte II e O Vigilante), Polanski (Chinatown), Cassavetes (Uma Mulher Sob Influência), Wenders (Alice nas Cidades), Fassbinder (Ali: O Medo Devora a Alma), Herzog (O Enigma de Kaspar Hauser e O [meu favorito] Grande Êxtase do Escultor Steiner)... A lista continua.
O espectador sonhador e despercebido julgar-se-ia diante deste período fecundo como o explorador incauto perante uma miragem do El Dorado. Tamanho ímpeto criativo — tanto ouro! —, tal espírito revolucionário certamente bastariam à humanidade por muitos e muitos anos — que é como dizer — para sempre.
Mas os exploradores do El Dorado, que sonhavam gozar a vida à sombra de uma bananeira de ouro, morreram de exaustão ou mordidelas de serpentes venenosas. E o espectador, orgulhoso guardião do cinema, sai da retrospectiva de 1974 e que cinema — que é como dizer — que mundo vem encontrar? Será que, em vez da bananeira dourada, estivera confortavelmente sentado...
À SOMBRA DE GIGANTES?
Grande folia humana (e não daquela que resulta em cinema) é pensar que, por aqueles que vieram antes terem alcançado grandes conquistas, se está agora a salvo da dificuldade.
Julgou o homem que a sua civilidade era o resultado inevitável de um aperfeiçoamento que lhe estava talvez destinado. Celebrou o triunfo de livrar a civilização das feras, que exterminou; da morte, que encerrou em hospitais, e até — assunto mais sério — da loucura, que esqueceu. Enfim, relegou para fora do seu domínio todos os males. Mas, ao restringir a selvajaria e os outros males aos bichos, parece ter-se enganado. Afinal, bichos ou homens, vimos todos do mesmo sítio. E agora...
O QUE RESTA?
Não esperam certamente que seja o vosso interlocutor a responder. Há ainda por aí muitos exploradores do El Dorado (que agora até encantam as serpentes, para não serem mordidos) com respostas para dar. Prometem salvar o homem de si com tecnologia de ponta e máquinas voadoras intergalácticas — coisa que, escrita assim no papel, até soa entusiasmante. Não, o vosso interlocutor gosta de salas de cinema e ainda espera vir a ser um índio. Se tudo falhar, bem, há que ver as coisas pelo lado positivo: talvez já não venha a tornar-me índio em vida, mas parece-me estarmos bem encaminhados para virmos a desaparecer como dinossauros.
“Where do I get my ideas from? I was goofing around like everybody else in Indiana, and all of a sudden stuff came gushing out. It was disgust with civilization.”
— Kurt Vonnegut
Quando eu era pequeno, sabia que só me restavam duas opções: tornar-me um índio ou um dinossauro.
Como eu, qualquer criança sabe perfeitamente quais são as suas opções, não mais do que uma ou duas, e como é imperativo concretizá-las. Não triunfando nessa tarefa — se foram crianças um dia, descobriram que as hipóteses podem ser desafiantes —, é forçoso tornar-se saudável e aprender a viver na civilização. Excepto se...
ALGUM LOUCO INVENTOU O CINEMA
Para um indivíduo saudável, não há propósito no cinema. Mas também qual é o propósito de um indivíduo saudável? Para além dele, muitos outros estão interditos do propósito do cinema: o homem de negócios, o senhor ministro... ah, e o crítico de cinema, naturalmente. Os demais, à partida, conservam intacta a capacidade de ver um filme. A loucura — ou, como se diz hoje, patologia mental —, o Manual de Diagnóstico de Transtornos Mentais (dsm-5) da Associação Americana de Psiquiatria identifica como “o padrão persistente de experiência interna e de comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo”. Ora, o que esta associação de indivíduos aparentemente saudáveis vem confirmar é, nada mais nada menos, do que a hipótese do Sr. Huxley, tão famosa nos dias que correm: No meio de loucos, o homem são é tomado por doente. Seja louvada...
A LOUCURA DO CINEMA
Toda a gente sabe que para ver um filme é necessário ser-se suficientemente louco e, para fazer um, sê-lo completamente. Nisso reside a magia da sétima arte: reintroduzir a loucura na civilização sã. Ou será a sanidade numa sociedade doente? No cinema, é tudo uma questão de perspectiva.
De que é necessário acreditar que um filme, como qualquer produto da criatividade, é real e bem mais real do que real, o espectador sisudo discordará. Mas reparem, por exemplo, que O Rei ia Nu na Dinamarca de 1837 e, quase 200 anos volvidos, ainda o seu séquito se perde de vista no horizonte. O Sr. Hans escrevia histórias bem reais, mas para os seus leitores sãos não o tomarem por louco, dizia que eram para crianças.
Levantada a dúvida, e até termos a certeza de quem tem juízo no meio disto tudo, parece-me prudente preservar o cinema por mais algum tempo. Afinal, ainda é importante recordar...
EL CINEMA DORADO DE 1974
O ano de 1974 foi prolífico para o cinema: Coppola (O Padrinho Parte II e O Vigilante), Polanski (Chinatown), Cassavetes (Uma Mulher Sob Influência), Wenders (Alice nas Cidades), Fassbinder (Ali: O Medo Devora a Alma), Herzog (O Enigma de Kaspar Hauser e O [meu favorito] Grande Êxtase do Escultor Steiner)... A lista continua.
O espectador sonhador e despercebido julgar-se-ia diante deste período fecundo como o explorador incauto perante uma miragem do El Dorado. Tamanho ímpeto criativo — tanto ouro! —, tal espírito revolucionário certamente bastariam à humanidade por muitos e muitos anos — que é como dizer — para sempre.
Mas os exploradores do El Dorado, que sonhavam gozar a vida à sombra de uma bananeira de ouro, morreram de exaustão ou mordidelas de serpentes venenosas. E o espectador, orgulhoso guardião do cinema, sai da retrospectiva de 1974 e que cinema — que é como dizer — que mundo vem encontrar? Será que, em vez da bananeira dourada, estivera confortavelmente sentado...
À SOMBRA DE GIGANTES?
Grande folia humana (e não daquela que resulta em cinema) é pensar que, por aqueles que vieram antes terem alcançado grandes conquistas, se está agora a salvo da dificuldade.
Julgou o homem que a sua civilidade era o resultado inevitável de um aperfeiçoamento que lhe estava talvez destinado. Celebrou o triunfo de livrar a civilização das feras, que exterminou; da morte, que encerrou em hospitais, e até — assunto mais sério — da loucura, que esqueceu. Enfim, relegou para fora do seu domínio todos os males. Mas, ao restringir a selvajaria e os outros males aos bichos, parece ter-se enganado. Afinal, bichos ou homens, vimos todos do mesmo sítio. E agora...
O QUE RESTA?
Não esperam certamente que seja o vosso interlocutor a responder. Há ainda por aí muitos exploradores do El Dorado (que agora até encantam as serpentes, para não serem mordidos) com respostas para dar. Prometem salvar o homem de si com tecnologia de ponta e máquinas voadoras intergalácticas — coisa que, escrita assim no papel, até soa entusiasmante. Não, o vosso interlocutor gosta de salas de cinema e ainda espera vir a ser um índio. Se tudo falhar, bem, há que ver as coisas pelo lado positivo: talvez já não venha a tornar-me índio em vida, mas parece-me estarmos bem encaminhados para virmos a desaparecer como dinossauros.
CINEKOSMOS
Edição Komemorativa
Especial Aniversário, 40 Anos do Argumento!
Desenhos de Edgar Pêra
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