ARGUMENTO
Novo Argumento
05.09.2023
Número 176
Setembro 2023, 36 págs.
Índice de artigos
︎RETOCAR O REAL
Normatividade e fragmentação da objectividade na narrativa fílmica, a perspectiva de Hélio T
︎IL CINEMA RITROVATO
Anabela Moutinho presenteia-nos com um roteiro cinéfilo pelo icónico festival de cinema bolonhês
︎HOMEM KÂMARA
Edgar Pêra retraça os passos e acidentes do seu percurso com a ajuda de Eduardo Ego
︎CARLOS LOSILLA
O ARGUMENTO orgulha-se de traduzir e publicar Deambulaciones - Diários de Cine, do escritor e professor catalão
︎JOANA DE SÁ
Para interpretar um filme tão musical como Cold War, contamos com a visão de uma artista do som
︎E ainda...
O Bilhete-Postal do Cine Platabanda, de Petare, Caracas, Venezuela
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Ou propondo a assinatura a um amigo.
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Setembro 2023, 36 págs.
Índice de artigos
︎RETOCAR O REAL
Normatividade e fragmentação da objectividade na narrativa fílmica, a perspectiva de Hélio T
︎IL CINEMA RITROVATO
Anabela Moutinho presenteia-nos com um roteiro cinéfilo pelo icónico festival de cinema bolonhês
︎HOMEM KÂMARA
Edgar Pêra retraça os passos e acidentes do seu percurso com a ajuda de Eduardo Ego
︎CARLOS LOSILLA
O ARGUMENTO orgulha-se de traduzir e publicar Deambulaciones - Diários de Cine, do escritor e professor catalão
︎JOANA DE SÁ
Para interpretar um filme tão musical como Cold War, contamos com a visão de uma artista do som
︎E ainda...
O Bilhete-Postal do Cine Platabanda, de Petare, Caracas, Venezuela
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EDITORIAL
One talks, one talks; this is all very fine; but at the end of the reckoning one is no cleverer than the next man – and no more brave.
— Joseph Conrad, Lord Jim
Têm sido necessários centenas ou até milhares de anos para que um homem nasça e ouse colocar umas quantas palavras (ou uns sons, ou umas imagens) na ordem certa.
Quanto perigo não se abate sobre toda a vida sempre que um só perde toda a confiança, momento em que se torna inevitável viver pela ordem de outro. Esta é a batalha quase sempre perdida quando se abandona a infância e entre as consequências trágicas a menor não é o IRS.
“Sem os discípulos cegos, ainda nunca foi grande a influência de um homem e da sua obra”, escreveu um alemão, demasiado humano com bigode. Mas se a cegueira fosse uma deficiência da visão, o amigo Louis Thomas Hardin, que tinha os olhos sempre fechados, não teria visto mais longe que quase todos. Não podemos pois atribuir ao facto de, no passado, tantos homens alemães terem usado bigode a terrível e habitual confusão entre homens alemães com bigode.
Se há responsabilidade, tem de ser esta: (fechar os olhos e) aprender a colocar umas palavras na ordem certa.
Quando, ao abrir um livro, reparamos que o autor seleccionou uma breve citação encontrada noutro lado, não adianta perder muito tempo a tentar compreendê-la. Reconhecemo-la ou não. Ecoa em nós ou não, e é só. Ela é uma manifestação singela da esperança do autor, um olhar que perscruta os rostos em torno de si na ânsia de descobrir num (pelo menos em um) a certeza de não estar só.
Um certo pensador escreveu no prólogo da sua obra, “Este livro será talvez apenas compreendido por alguém que tenha uma vez ele próprio já pensado os pensamentos que são nele expressos.” Algo que a modéstia institucional expressaria, na inscrição de um templo religioso, por “Nenhum estrangeiro deve entrar na balaustrada que rodeia o templo. Aquele que for apanhado será responsável pela sua própria morte.”
À condição subjacente a todas estas manifestações designamos de mistério, transformação do ΜΥΣΤΗΡΙΟΝ do grego antigo, significante (grosso modo) do conhecimento a que só o iniciado tem acesso.
Um dos mais fascinantes exemplos deste conceito na cultura universal tem de ser os Mistérios de Elêusis, cerimónia religiosa que reunia na pequena cidade vizinha de Atenas gregos de todo o território e sobre a qual, à custa da candura desse povo, nada sabemos até aos dias de hoje. Diante do desprezo hermético dos mistérios eleusinos, o coleccionador de factos enlouquece. Mas estaremos realmente impedidos de conhecer as implicações destes mistérios para a vida no mundo grego? Sabemos que era imperativo guardá-los com a morte. Nada mais precisamos de saber.
Na interminável crónica da humanidade, o cinema ousa sussurrar aos homens um segredo aparentemente perdido.
Não é menos significativo a malha de colunas do Santuário de Elêusis ter protegido os Mistérios de olhares incautos e do clarão absoluto do sol do que o cinema exigir a escuridão. O Santuário de Elêusis, porém, é hoje uma morada sem sombras – um deserto. Também nas salas de cinema as luzes começam a sobrepor-se à escuridão e as conversas ao silêncio. Talvez seja fado de uma civilização evoluída, vaidosa de comer muitos legumes, ter de encontrar novos hábitos carniceiros.
No meio da confusão, o cinema não deixará de ser uma criatura sensível como um animal, como um mistério. E, tal como a um animal ou a um mistério, há uma só forma garantida de lhe revelar o cerne: matá-lo.
ΤΑΜΥΣΤΗΡΙΑ
One talks, one talks; this is all very fine; but at the end of the reckoning one is no cleverer than the next man – and no more brave.
— Joseph Conrad, Lord Jim
Têm sido necessários centenas ou até milhares de anos para que um homem nasça e ouse colocar umas quantas palavras (ou uns sons, ou umas imagens) na ordem certa.
Quanto perigo não se abate sobre toda a vida sempre que um só perde toda a confiança, momento em que se torna inevitável viver pela ordem de outro. Esta é a batalha quase sempre perdida quando se abandona a infância e entre as consequências trágicas a menor não é o IRS.
“Sem os discípulos cegos, ainda nunca foi grande a influência de um homem e da sua obra”, escreveu um alemão, demasiado humano com bigode. Mas se a cegueira fosse uma deficiência da visão, o amigo Louis Thomas Hardin, que tinha os olhos sempre fechados, não teria visto mais longe que quase todos. Não podemos pois atribuir ao facto de, no passado, tantos homens alemães terem usado bigode a terrível e habitual confusão entre homens alemães com bigode.
Se há responsabilidade, tem de ser esta: (fechar os olhos e) aprender a colocar umas palavras na ordem certa.
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Quando, ao abrir um livro, reparamos que o autor seleccionou uma breve citação encontrada noutro lado, não adianta perder muito tempo a tentar compreendê-la. Reconhecemo-la ou não. Ecoa em nós ou não, e é só. Ela é uma manifestação singela da esperança do autor, um olhar que perscruta os rostos em torno de si na ânsia de descobrir num (pelo menos em um) a certeza de não estar só.
Um certo pensador escreveu no prólogo da sua obra, “Este livro será talvez apenas compreendido por alguém que tenha uma vez ele próprio já pensado os pensamentos que são nele expressos.” Algo que a modéstia institucional expressaria, na inscrição de um templo religioso, por “Nenhum estrangeiro deve entrar na balaustrada que rodeia o templo. Aquele que for apanhado será responsável pela sua própria morte.”
À condição subjacente a todas estas manifestações designamos de mistério, transformação do ΜΥΣΤΗΡΙΟΝ do grego antigo, significante (grosso modo) do conhecimento a que só o iniciado tem acesso.
Um dos mais fascinantes exemplos deste conceito na cultura universal tem de ser os Mistérios de Elêusis, cerimónia religiosa que reunia na pequena cidade vizinha de Atenas gregos de todo o território e sobre a qual, à custa da candura desse povo, nada sabemos até aos dias de hoje. Diante do desprezo hermético dos mistérios eleusinos, o coleccionador de factos enlouquece. Mas estaremos realmente impedidos de conhecer as implicações destes mistérios para a vida no mundo grego? Sabemos que era imperativo guardá-los com a morte. Nada mais precisamos de saber.
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Na interminável crónica da humanidade, o cinema ousa sussurrar aos homens um segredo aparentemente perdido.
Não é menos significativo a malha de colunas do Santuário de Elêusis ter protegido os Mistérios de olhares incautos e do clarão absoluto do sol do que o cinema exigir a escuridão. O Santuário de Elêusis, porém, é hoje uma morada sem sombras – um deserto. Também nas salas de cinema as luzes começam a sobrepor-se à escuridão e as conversas ao silêncio. Talvez seja fado de uma civilização evoluída, vaidosa de comer muitos legumes, ter de encontrar novos hábitos carniceiros.
No meio da confusão, o cinema não deixará de ser uma criatura sensível como um animal, como um mistério. E, tal como a um animal ou a um mistério, há uma só forma garantida de lhe revelar o cerne: matá-lo.
Convocatória aberta!
Até 31 de Outubro, convocatória aberta pela revista ARGUMENTO, do Cine Clube de Viseu, em parceria com a Transit - Cine y otros desvios (Barcelona).
O tema desta convocatória é Um Cânone Cinematográfico Hoje?, e as críticas, ensaios e vídeo-ensaios seleccionados serão publicados a partir do primeiro trimestre de 2024 nas duas revistas.
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