ARGUMENTO

Novo Argumento


01.04.2023




Número 175
Abril 2023, 36 págs.

Índice de artigos
︎ROBERT BRESSON
Um ar bressoniano percorre esta edição, do ensaio de Margarida Assis ao olhar de Mantraste sobre Au Hasard Balthazar
︎MANOEL DE OLIVEIRA
Porque o mestre também fez filmes de terror, destaque nos Livros do Trimestre
︎ROTEIRO GASTRONÓMICO
Rita Palma esboça algumas respostas sobre o sabor do Cinema Português
︎KOJI WAKAMATSU
César Gomes propõe um filme da fase tardia do autor japonês Na Retina
︎FERNANDO PESSOA & H.P. Lovecraft
Edgar Pêra encontra afinidades entre os dois escritores e imagina a sua correspondência telepátyka
︎ JOÃO CANIJO
Uma peregrinação muito para lá de Fátima
︎E ainda...
O Bilhete-Postal de um cineclube em exílio

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EDITORIAL

As Invenções Humanas


O automóvel

Servir de meio de transporte entre dois pontos é o propósito menos interessante do automóvel. Entre outras coisas, ele pode ser 1) meio para cumprimento do devir celestial (se o agente for o Sr. Ayrton Senna) ou 2) instrumento para árduas reflexões metafísicas (se o agente for o Sr. Martin Heidegger). Se o leitor for como eu, é provável que o carro se fique pelo seu propósito menos interessante. Ainda assim, porque o movimento no espaço é um eficaz estimulante do pensamento, enquanto conduzia há uns dias uma frase surgiu na minha mente: “O pior -ismo é o turismo.” Bastante tosca, mas serve para começar.

O turismo

As palavras terminadas em -ismo são, regra geral, bastante aborrecidas e nada evocativas. Não deixam margem para o sonho. De todos os -ismos que o ser humano trouxe ao mundo um dia, o turismo não tem, infelizmente, um carácter transitório. O turista carrega a mesma tristeza daquele homem que passeia pela sua cidade com as mãos atrás das costas e regressa sempre a casa ao final do dia, mas disfarça-a com uma exótica ilusão paga a peso de ouro. Nada de mal com regressar — qualquer viajante sabe que o retorno é metade da experiência –, mas tudo de mal com sair de casa um dia e encontrar o mesmo mundo aqui e o mesmo mundo ali, replicado ao infinito.

O pugilato

O pugilato é uma das actividades mais civilizadas que o ser humano inventou. A discussão verbal é apenas uma razoável segunda opção, tendo em conta a impraticabilidade de regular combates de boxe sempre que duas pessoas entram em colisão. No final do século XX, o biólogo holandês Frans de Waal deitou por terra a ideia de os chimpanzés serem animais estritamente territoriais, competitivos e agressivos. Até então, os biólogos viam os machos lutar pelo território violentamente, viravam costas e iam escrever as suas conclusões. Mas de Waal decidiu esperar para ver o que acontecia depois do confronto entre dois chimpanzés. É assim: o macho vencedor aproxima-se do oponente vencido, debruçado sobre o corpo (e o ânimo) ferido, e estende-lhe a mão. Então, beijam-se, abraçam-se e seguem com as suas vidas. A competição e a agressividade são instintos inelutáveis para os chimpanzés, mas não são fins em si mesmos: são uma das formas de alcançar uma bela amizade que nasce com a reconciliação. Julgo que o Sr. Heidegger se enganou quando foi crítico da ampla aclamação de um certo pugilista (na altura, Ali). Acredito que, confiando na sabedoria dos chimpanzés, a única solução para o actual clima de tensão global seria Tyson vs. Putin – Round 1 – *plim*.

O desenvolvimento

Um dia, um monge budista encontrou-se com aquele velhote germânico na televisão e perguntou-lhe o que pensava sobre a postura que o seu país sub-desenvolvido deveria ter perante o confronto entre ciência e religião. O Sr. Heidegger explicou que, ao falar de sub-desenvolvimento, é necessário questionar que meta se estabelece para definir desenvolvimento. De acordo com a concepção ocidental (ou, no nosso mundo turístico, global), um mundo desenvolvido corresponde, em primeiro lugar, a um mundo tecnologicamente moderno. O alemão, pelo contrário, acreditava que a Tailândia (o país do nosso monge), com base no conhecimento assente nas tradições ancestrais ainda em prática, era um país altamente desenvolvido, e que as nações modernas, “com a sua tecnologia e as suas bombas atómicas”, eram sub-desenvolvidas. A audiência do programa deve ter sido fraca.

O alpinismo

Algumas invenções humanas dão azo a uma certa perplexidade. O alpinismo é uma das que causa especial embaraço. Durante três milénios, os sopés dos Himalaias foram habitados por populações muito resilientes, que tiveram de aprender a viver ao ritmo das estações e da tenebrosa monção. A perseverança perante a inospitalidade e a deferência ao mistério firmaram nesses povos um sentimento religioso com raízes tão profundas como as montanhas. Durante três milénios, repito, durante mais de três mil anos esses homens deixaram as montanhas em paz. O que é que deu na cabeça dos ingleses para em 1922 atravessaram o globo e partirem à conquista daquelas montanhas?

O cinema

Desde então, o homem conquistou a montanha, conquistou o céu, conquistou o espaço, mas ainda só conhece 5% das profundezas do oceano. Eu cá julgo que deveriam interromper as explorações. Não me preocupa que despertem o Grande Cthulhu. Não, receio é que no fundo do oceano encontrem algo muito mais tenebroso. Ah, e sobre o cinema! Nunca se esqueçam: o Sr. Kubrick não foi um astronauta.


Cinema, Pós-verdade & Bolhas


Foram meses intensos de convocatória aberta, a reunir textos e vídeo-ensaios de Portugal e Espanha: “Cinema, Pós-verdade & Bolhas” foi o mote da call 2021 do ARGUMENTO, realizada em parceria com a Transit: Cine y otros desvíos. Os trabalhos seleccionados começam a ser partilhados no ARGUMENTO #171, e são editados pela revista do Cine Clube de Viseu e nos sites do CCV e da Transit.

DISPONÍVEIS AQUI


ARQUIVO
Na edição 175 falámos com o ilustrador Mantraste!
Entrevista a Neil Gaiman por Edgar Pêra (para a série Cinecomix!!!)
Viseu, 1985, o primeiro ciclo dedicado a Pier Paolo Pasolini
Entrevista a Margarita Ledo, realizadora galega de Nación
Na edição 169 falámos com
Ana Eliseu!

A outra dimensão da conversa com Tommi Musturi (edição 167)...

Na edição 166 falámos com Dartagnan Zavalla!


 


O Cine Clube de Viseu oferece a todos a oportunidade de experienciar, descobrir e aprender mais sobre o mundo do cinema, audiovisual e cultura visual.
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