ARGUMENTO

O que será do Cinema depois do streaming? Dinâmicas na oferta, no consumo e na distribuição


︎︎︎ Dossier “Futuros do Cinema”




por João Valentim
Licenciado em Vídeo e Cinema Documental pela Escola Superior de Tecnologias de Abrantes, frequenta agora o mestrado em Ciências da Comunicação, Cinema e Televisão na FCSH da Nova de Lisboa, além de ser bolseiro de investigação do InET-MD Aveiro, no projecto Atlas - Atlântico Sensível. Tem colaborado também com vários festivais, da produção ao apoio técnico. Através do teatro e do cinema, sempre com ligações fortes à música, tem tentado explorar, nas suas múltiplas facetas, a paixão pelas imagens como meio de contar histórias.



rodagens de “the irishman” (martin scorsese)
O cinema, como todas as vertentes artísticas, pressupõe dois lados, dois intervenientes: o acto de fazer, de criar, e o acto de contemplar, de observar. Os dois compõem o objecto artístico, da sua essência à forma como é visto ou interpretado. No acto de contemplar, somos convidados a interpretar um objecto mediante determinadas condições estabelecidas, e a experiência de ver cinema é sem dúvida exemplo disso.

Ao longo dos quase 125 anos da experiência de ver cinema em tela e desfrutar das sensações que os filmes nos têm vindo a transmitir em comunidade, muitas foram as mudanças técnicas e intelectuais que foram interferindo nela, na tentativa de melhorar a relação com o espectador e a forma como este vê cinema.


“The original conception of what a film is and where it’s to be seen has now changed so radically that we may have to say okay let’s say there’s a certain kind of film that’s made here, there might be obviously virtual reality films, there’s holograms, there’s all sorts of things that have been becoming that we don’t really know... So in effect one thing that should always be protected as much as possible, and I think we’ll always be there, is a communal experience and I think that’s best in a theater. Now homes are becoming theaters too but it’s a major change and I think one has to keep an open mind, there’s no doubt seeing a film with an audience is really important.” 1


Segundo Tom Bernard, co-presidente da Sony Pictures Classics, “What’s a movie supposed to be? Is it supposed to be on television or the movie theater? That’s for the people at the academy to decide. I think we have to be aware of the artistic aspect of the film and how the artist made it to be viewed” 2.

A evolução audiovisual tem permitido cada vez mais ao cinema, quer às grandes produções, quer aos produtores independentes, recorrer a novas formas de filmar, iluminar, captar som, encenar, criar novos cenários e assim criar e mostrar novos olhares, diferentes realidades. O fazer cinema tem, então, tentado re-inventar-se praticamente de década para década, seja na forma como se financia, como se produz ou como se distribui: “A independência de um filme é algo que surge da ausência de apoios financeiros por parte de grandes entidades da indústria cinematográfica durante os períodos da sua produção e distribuição” 3, diz André Ramos Batista, que, pegando no exemplo de Chuck Tryon, aprofunda mais esta questão, considerando que “Este tipo de autonomia financeira pode contribuir activamente para a liberdade de expressão dos autores independentes” 4.

Mas é também no acto de contemplar que essa libertação se tem sentido, sobretudo desde o início do século XXI. Apesar de fazer parte da génese do cinema a sua própria reinvenção, o surgimento da televisão e da internet acabou por criar uma nova problemática: o espectador tem agora a possibilidade de assistir onde quiser, quando quiser e cada vez mais ao que quiser, no seu dispositivo tecnológico pessoal. Como poderá o cinema em sala, com local, data e hora marcados, sobreviver a tal concorrência? Existe uma preocupação com o ideal, a perfeição do que deveria ser a contemplação de um objecto artístico, mas, mais do que isso, há que adaptar esse acto absolutamente indispensável de observação à realidade dos tempos presentes, aos ritmos de hoje em dia. Talvez não tenha sido previsto que nas condições ideais de contemplação de um objecto artístico como a Mona Lisa ou a Vénus de Milo fosse possível haver cabeças de outros observadores à frente, fitas de segurança, vidros ou mãos com telemóveis e tablets a tapar, mas esta acaba por ser a realidade nos dias de hoje para quem quer ter a experiência de observar estas obras.

Em 1932, dá-se a primeira edição do Festival de Cinema de Veneza, um passo decisivo para o surgimento de outros festivais por todo o mundo. A exibição em sala altera-se na sua estrutura de programação e exibição, passando a proporcionar programas intensivos de cinema que se prolongam por vários dias. Filmes escolhidos mediante determinados requisitos compõem selecções competitivas e não competitivas, exibidas em sala, abrindo uma maior oferta de conteúdos, embora por um curto período de tempo. Ainda assim, a película sempre trouxe enormes dificuldades no transporte, acondicionamento e projecção das bobines, o que talvez tenha contribuído para um maior investimento na investigação de novas soluções. A evolução que permitiu a substituição da película pelo digital foi determinante no crescimento exponencial do número de festivais de cinema por todo o mundo, bem como de projecções, tertúlias e eventos que incluam projecção e discussão de filmes. Embora passe a haver uma maior oferta de filmes que antes nem sequer conseguiam ter espaço nas listas de programação das salas, ainda se mantém a questão da distância às salas de cinema, como aponta Lena Waithe, escritora e produtora de Queen & Slim: “I know there are people who can’t afford to go to big movies. Some people live in small towns where the theater doesn’t play Moonlight or An Oversimplification of Her Beauty”.5

O streaming vem resolver muitos destes problemas, mediante uma inevitável actualização tecnológica. Com um dispositivo adequado (computador, tablet ou smartphone) e com acesso à internet, hoje temos a possibilidade de subscrever vários serviços e planos online que nos oferecem conteúdos praticamente ilimitados. André Batista, citando Philippe Kern6 e Virginia Crisp7, afirma que “As plataformas de streaming podem ser definidas como infra-estruturas digitais que transmitem conteúdos alojados nos seus servidores aos múltiplos utilizadores das suas aplicações sempre que estes o pretenderem. (...) Estas plataformas abrangem várias formas de distribuição cinematográfica e utilizam três modelos principais de negócio: aluguer pontual de filmes; acesso gratuito a filmes com a presença de anúncios; e acesso ilimitado a todos os filmes de um catálogo, mediante uma assinatura mensal”8.

Em 1997, surge nos Estados Unidos uma empresa de entrega de DVDs pelo correio. Era o início da Netflix, ainda no mercado da venda de suportes físicos de conteúdos. Dez anos depois, expande o seu serviço ao streaming, e em 2011 inicia-se na criação de conteúdos originais. Hoje, serve mais de 190 países na distribuição de conteúdos e já conta com vários prémios pelas suas criações originais. Este é apenas um exemplo entre muitos outros, não fosse a importância que tem vindo a ganhar no mercado audiovisual nos últimos dez anos e a forma como tem influenciado a mudança de paradigma. Jason Blum, produtor de Get Out e Whiplash, confessa: “I’ve never felt the nervous energy in Hollywood that I’ve felt over the last 12 months, and it increases every day. There’s an uncertainty about the future, because the change is happening in an incredibly dramatic way” 9.

Neste momento a Netflix é uma das empresas que mais têm lutado por essa mudança, arriscando e apostando em novas formas de pensar, fazer e contemplar, que a têm distinguido em praticamente todas as vertentes do audiovisual (ficção, documentário, filmes, séries, publicidade, distribuição, produção). No entanto, existem já várias alternativas concorrentes, como HBOgo, Amazon Prime Video, Hule, Crackle, Disney+, GooglePlay e AppleTV, que têm testado várias fórmulas relacionadas com a oferta, a organização e o consumo desses conteúdos, que os distinguem entre si e contribuem para uma evolução mais célere. “A expansão global das plataformas de streaming contribui assim para a transformação das práticas culturais da sociedade contemporânea ao possibilitar que o visionamento de filmes não tenha de ocorrer apenas em certos horários e em determinados locais, pois estas infra-estruturas digitais permitem aos seus utilizadores ganhar maior controlo sobre onde, quando e como poderão aceder a estas obras” 10.

Apesar dessa expansão, o streaming tem-se mostrado, para já, como uma alternativa e não como um substituto, pois abre novas possibilidades sem eliminar necessariamente a pré-existente. Não deixamos de poder ver cinema em sala, mas passamos a ter também a oportunidade de o ver no conforto das nossas casas ou no desconforto de uma viagem. Passamos a ter o poder de decidir em que condições queremos ver determinado conteúdo. Barry Jenkins, realizador de Moonlight, diz: “I go to a few theaters in Los Angeles to see movies — not even specialized theaters, like Tarantino’s theater — and there are always, always audiences there. Who are these people? There will always be people who prioritize the experience in a cinema, who treat it as fine arts in a certain way, and they’ll make it their prerogative to keep these theaters open. Will there be as many theaters? I can’t say, but I’m an optimist, and I think there will be.” 11 


“Tendo em conta que as pessoas estão cada vez mais interessadas em escolher quando, onde e como acedem aos filmes que querem ver através dos dispositivos tecnológicos à sua disposição, as plataformas de streaming tomaram a iniciativa de se estabelecer no mercado digital da indústria cinematográfica enquanto serviços cujas estratégias de negócio gravitam em torno deste hábito cultural.” 12


O último filme de Martin Scorcese, The Irishman, será certamente um caso de estudo mais aprofundado num futuro próximo. Depois de intensas negociações entre a produtora Netflix e grandes distribuidoras em sala e distribuidoras independentes, esta produção estreou em pouquíssimas salas nos Estados Unidos da América (essencialmente em Nova York e Los Angeles) a 1 de Novembro de 2019, e apenas vinte e seis dias depois estreou na Netflix. As negociações com as salas de cinema e as suas tradicionais exigências levaram a Netflix a preferir abdicar da exibição em sala e a apostar ainda mais numa política digital, exibindo na sua plataforma antes de esperar pelos habituais noventa dias de exclusividade para as salas. Essa curta passagem pelas salas acabou, ainda assim, por acontecer, por forma a permitir a elegibilidade do filme para os Oscars, que obrigam a sete dias consecutivos de exibição em três sessões por dia numa sala em Los Angeles.

Um filme com um orçamento de aproximadamente 170 milhões de dólares, só para a produção, um mês e meio depois da sua estreia ainda não divulgava números sobre os lucros obtidos. Sabia-se apenas que "O Irlandês foi visto em 26,4 milhões de lares a nível mundial na primeira semana em que esteve disponível na Netflix (a esta data, o universo de subscritores da plataforma rondava os 158 milhões em todo o mundo). O número foi divulgado por Ted Sarandos, o chefe de conteúdos da plataforma de streaming. Lançado a 27 de novembro na Netflix, o épico sobre o crime organizado de Martin Scorsese com Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci deve chegar aos 40 milhões nos primeiros 28 dias, estimou Ted Sarandos” 13.


“(...) having the backing of a company that says ‘You know, you will have no interference, you’ll make this picture as you want. The trade-off is it streams with theatrical distribution prior to that.’ I figured that’s the chance we take on this particular project. What streaming means and how that’s going to define a new form of cinema, I’m not sure. I thought for a while maybe long-form TV is cinema, it’s not. It simply isn’t. It’s a different viewing experience, you could look at three episodes, two, four, ten… one, one week, second episode, the second week… that’s not… it’s a different kind of thing, so there’s got to be still... what has to be protected is the singular experience of experiencing a picture ideally with an audience.” (Scorsese, 2019)


Herdeiros de uma ‘cultura cinematográfica comunitária’, onde a projecção em sala é central, assistimos hoje a uma possível adaptação de toda essa cultura a um novo mundo digital, que progressivamente se vai afastando das políticas conservadoras que têm marcado o ritmo dessa evolução. “I’m an associate member of the Academy, and it’s my belief that the Oscars and the Academy, generally, should be about celebrating exceptional motion pictures wherever they exist. The notion that the Oscars should be limited to films that get an exclusive theatrical window is, to me, limiting the number of films that can be considered based on their artistic merit” 14. Barry Jenkins, por sua vez, acredita que toda a indústria cinematográfica deve esforçar-se por encontrar formas de proteger algumas dessas tradições.


“So I do think that screening in a theater will always be a qualification for the Academy Awards, I truly do. Part of that is going to be to ensure that we always share a communal experience watching movies in a theater. But hey, maybe I’m a dinosaur.” 15


Já em Abril de 2020, a Variety noticiava que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas reviu as suas regras de elegibilidade ao Oscar, devido à pandemia de coronavírus, e o conselho de governadores aprovou uma suspensão temporária da exigência de que um filme tenha exibição em sala, durante sete dias, no condado de Los Angeles, para se candidatar aos Oscars.


“Instead, films will be allowed to be released digitally without playing in theaters. However, that doesn’t mean any movie premiering on a streaming service is eligible for Oscar gold. To be considered, the streamed film must have already had a planned theatrical release.” 16


Perante toda esta nova oferta, as produtoras e distribuidoras terão de fazer por se adaptar à procura, lendo bem o mercado. A intransigência à mudança desses hábitos tradicionais poderá levar os realizadores a afastar-se ainda mais desses intermediários e a assumir a distribuição das próprias obras. Segundo André Batista, “Algumas destas plataformas pagam a estes cineastas consoante o número de visualizações que as suas obras obtiverem, o que permite a estes autores ficarem a saber qual a quantidade de pessoas que as veem. Outras plataformas preferem não partilhar esses dados com os cineastas independentes, pagando-lhes diretamente certos montantes pelas suas obras [como foi o caso de The Irishman]. No entanto, este tipo de negócio acaba por enfraquecer a capacidade destes autores de determinar o valor real dos seus filmes quando chegar a ocasião de renegociar os acordos de licenciamento de direitos. Isto possibilita não só ao público um maior poder sobre o que quer ver, onde e como, mas também aos próprios pequenos e médios produtores alcançarem mais facilmente o público” 17.


“I don’t feel particularly optimistic about the traditional theatrical experience, especially for independent films” 18


As estratégias de exibição em sala estão formatadas para as grandes produções, dificultando muitas vezes a vida dos produtores independentes e pequenos produtores. Enquanto que em sala é muito difícil competir com as grandes produções, dadas as exigências de número de espectadores para um filme se manter em exibição, no streaming, como o investimento na distribuição é feito de forma bastante diferente e com valores muito distintos, é possível a produções mais pequenas entrar mais facilmente nos catálogos disponíveis e assim chegar a públicos que, de outra forma, provavelmente nem ouviriam falar delas.


“Estes serviços digitais dispõem de algoritmos que compreendem os gostos destes utilizadores ao recolherem dados acerca dos filmes que são vistos nas suas aplicações, permitindo-lhes assim recomendar uma série de novas obras a que estas pessoas poderão ainda não ter assistido e às quais têm hipótese de aceder através dos seus catálogos.” 19


Por outro lado, surge uma nova problemática relativa à visibilidade e à publicidade: perante centenas de catálogos com centenas de conteúdos entre séries e filmes, como se destacar aos olhos do público? “Convém que os cineastas independentes tenham a capacidade para promover adequadamente as suas obras de forma a que estas possam alcançar as pessoas mais interessadas em vê-las neste contexto específico em que se encontram” 20. Ou seja, apesar de agora ser mais fácil chegar ao público, continua a ser necessária a adopção de estratégias de divulgação e de marketing para promover os filmes, fazendo-os destacar-se dos demais. Algo que já tinha sofrido uma grande evolução nos anos 90, aquando do crescimento do número de festivais de cinema por todo o mundo, mas que agora volta a exigir nova reflexão e novas políticas de promoção dos conteúdos.

Joe Russo, realizador de Avengers: Endgame, afirma: “You’ve got so many options for viewing content that there has to be a need for you to leave your home. What is going to drive you to do that? It is a tough market, even for us coming off of Avengers: Endgame, to make a darker, character-driven movie” 21.

A 10 de dezembro de 2019 o jornal português Observador publicou um texto, pela Agência Lusa, que nos diz: “O número de espectadores aumentou 6,4% nos cinemas portugueses até novembro. Os cinemas portugueses registaram um saldo positivo tanto em número de espectadores como de receita bruta de bilheteira em 2019, com 14 milhões de espectadores e 75,1 milhões de euros até novembro. Dos 14 milhões de espectadores registados até novembro, dez milhões viram filmes distribuídos pela NOS Lusomundo Audiovisuais, líder do mercado no país” 22. Já antes, a 30 de agosto do mesmo ano, o portal da SAPOTEK lançava um texto sobre o serviço de streaming Netflix em Portugal onde indicava que “No trimestre móvel de agosto de 2019, existiam um milhão e 509 mil utilizadores de serviços de streaming, de acordo com o Barómetro de Telecomunicações da Marktest. O valor corresponde a 16,8% dos residentes em Portugal continental com mais de 15 anos” 23.

Perante esta crescente mudança de hábitos em Portugal, que não deve ser tida como uma ameaça mas sim como um contributo inevitável, deverá haver também uma  tentativa de salvaguarda da experiência de ver cinema em comunidade, não só como forma de educação mas também de preservação da própria essência do cinema. Para as gerações mais jovens, que nasceram já com um sistema digital universal de ligações em rede, é natural que esta experiência seja posta de lado em prol de tantas outras que têm à sua disposição.

Kumail Nanjiani, actor e co-argumentista de The Big Sick, relembra um episódio recente caricato:


«I was at a bar with a friend who directs big movies, and while we were in line for the bathroom, he was saying that movie theaters were going to go away. He was like, “Kids don’t watch movies, they watch YouTube.” Which I thought was crazy. So he goes, “Watch this.” There was a girl in front of us in line, and he said, “Hey, excuse me, what’s your favorite movie?” And she said, “I don’t watch movies.” Just randomly, he picked someone — and she was like 25, she wasn’t a child or anything. We were like, “Well, do any of your friends watch movies?” And she said, “Not really.”» 24


Este desinteresse ou desconhecimento surge, talvez, pelas alternativas que o presente lhes oferece, pelas políticas que têm vindo a ser aplicadas e pela falta de investimento numa educação cinematográfica, pensada, que promova nos jovens o gosto não só por ver cinema, como por ir ao cinema, e ir a festivais de cinema, e discutir e debater cinema, como uma verdadeira forma mimética de aprendizagem e crescimento. A falta dessa adaptação e cativação das gerações mais novas está a fazer com que estas encontrem outras formas de se entreter, seja com séries, narrativas mais curtas, vídeo-jogos, blogs,vlogs, etc. Jeffrey Katzenberg, co-fundador da DreamWorks Animation e da Quibi, afirma:


“What Quibi [streaming service for mobile] is trying to do is get to the next generation of film narrative. The first generation was movies, and they were principally two-hour stories that were designed to be watched in a single sitting in a movie theater. The next generation of film narrative was television, principally designed to be watched in one-hour chapters in front of a television set. I believe the third generation of film narrative will be a merging of those two ideas, which is to tell two-hour stories in chapters that are seven to ten minutes in length. We are actually doing long-form in bite-size.” 25


A cada avanço tecnológico, o cinema depara-se com melhorias no sentido da sua modernização, mas também com adaptações intelectuais à sua essência. Chama-se a isso evolução, é necessária e acontece sempre que o realizador ou a equipa permitam essas inovações no processo criativo, desde a maneira de pensar à maneira de executar. “I think we’re redefining it now in such a way it’s not just an evolving of cinema but it’s a revolution. I mean, it’s even bigger than the revolution that sound brought to cinema. It’s the revolution of cinema itself back 120 years ago, 115 years ago” 26.

Caminhamos cada vez mais para uma consciência visual em que sabemos aquilo que queremos ver e queremos escolher aquilo que vemos. Não queremos intermediários directos que nos influenciem a ver isto ou aquilo (apesar de estes existirem sempre). Pretendemos chegar mais perto dos filmes e das suas equipas, mais perto do conteúdo e do controlo da história. E no universo das plataformas de streaming, perante catálogos e catálogos de conteúdos que nos enchem o olho, com uma imensidão de alternativas visuais e narrativas, tenta-se passar ao público a ideia de que este tem o poder de escolher o que quer ver. Mas essa escolha será sempre feita com base numa selecção prévia feita pela própria distribuidora streaming, que irá apenas disponibilizar os conteúdos que contratar e em cuja distribuição decidir apostar, para além da posterior selecção algorítmica feita para cada subscritor.

O streaming fará portanto parte do cinema, com esta fórmula ou com outras que ainda irão surgir. Mas será este um caminhar no sentido de uma monopolização, com uma só plataforma onde tudo se concentra? Ou será uma ferramenta que se irá diluir por toda a indústria permitindo que os próprios realizadores e produtores façam a sua própria distribuição (por exemplo, canal streaming Martin Scorsese, canal streaming Century Fox,…)? Esta evolução é fundamental em prol não só de uma valorização do cinema, que assim vê serem feitos novos investimentos na sua prática, como também de uma valorização dos realizadores, que passam a controlar melhor o alcance dos seus filmes e por conseguinte a definir o valor dos mesmos, e até uma valorização do público, que vê o seu poder aumentado e uma maior adaptação aos seus novos modos de vida, aos seus quereres.



1. Excerto da entrevista a Martin Scorcese “on 'Theme Park' Marvel Movies, Netflix, & Streaming.” London Film Festival press conference, directed by HeyUGuys October 13, 2019. 
2. BERNARD, Tom. “How Will the Movies (As We Know Them) Survive the Next 10 Years?” Interview by Kyle Buchanan. The New York Times, June 20, 2019.
3. BATISTA, André Ramos. O Papel das Plataformas de Streaming na Distribuição de Filmes Independentes, p. 3. Dissertação de Mestrado, ISCTE–Instituto Universitário de Lisboa, 2016.
4. Ibidem.
5. WAITHE, Lena. “How Will the Movies (As We Know Them) Survive the Next 10 Years?” Interview by Kyle Buchanan. The New York Times, June 20, 2019.
6. KERN, Philippe. “The Impact of Digital Distribution: A Contribution”, comunicação apresentada no colóquio Think Tank on European Film and Film Policy, 2009, Istambul.
7. CRISP, Virginia. Film Distribution in the Digital Age: Pirates and Professionals. 2015, Londres, Palgrave Macmillan.
8. Batista, 2016: 13,14.
9. BLUM, Jason. “How Will the Movies (As We Know Them) Survive the Next 10 Years?” Interview by Kyle Buchanan. The New York Times, June 20, 2019.
10. Batista, 2016: 8.
11. JENKINS, Barry. “Barry Jenkins: No Matter the Format, Filmmaking Is as Expensive as Ever” Interview by Kyle Buchanan. The New York Times, June 24, 2019. 
12. Batista, 2016: 17.
13. SALVADO, Luís. ”O Irlandês: Netflix divulga números mundiais do filme de Scorsese” SapoMag, Dezembro 10, 2019.
14. LEONARD, Franklin. “How Will the Movies (As We Know Them) Survive the Next 10 Years?” Interview by Kyle Buchanan. The New York Times, June 20, 2019.
15. Jenkins, 2019.
16. MALKIN, Marc. “Oscars Will Consider Films That Didn’t Play in Theaters as Part of New Academy Rules”. Variety, Abril 28 2020.
17. Batista, 2016: 25.
18. HOROWITZ, Jordan. “How Will the Movies (As We Know Them) Survive the Next 10 Years?” Interview by Kyle Buchanan. The New York Times, June 20, 2019.
19. Batista, 2016: 20.
20. Idem: 23.
21. RUSSO, Joe. “How Will the Movies (As We Know Them) Survive the Next 10 Years?” Interview by Kyle Buchanan. The New York Times, June 20, 2019.
22. LUSA, Agência. “Número de espectadores aumentou 6,4% nos cinemas portugueses até novembro” Observador, Dezembro 10, 2019. 
23. SAPOTEK. “1,5 milhões em Portugal subscrevem serviços de streaming. Netflix lidera preferências” SAPO, Agosto 30, 2019. 
24. NANJIANI, Kumail. “How Will the Movies (As We Know Them) Survive the Next 10 Years?” Interview by Kyle Buchanan. The New York Times, June 20, 2019.
25. KATZENBERG, Jeffrey. “How Will the Movies (As We Know Them) Survive the Next 10 Years?” Interview by Kyle Buchanan. The New York Times, June 20, 2019.
26. Scorsese, 2019.

 


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