André Coelho (n. 1984) é um ilustrador residente no Porto cujo trabalho está maioritariamente relacionado com a música, tendo desenvolvido cartazes, capas de discos, merchandising, entre outros, e sendo colaborador assíduo da Amplificasom, SWR Barroselas Metalfest, Mosher Clothing ou Malignant Records.
No campo da banda desenhada tem publicado em edições da Chili Com Carne e é co-autor dos álbuns É de noite que faço as perguntas (Saída de Emergência, 2011), Sepulturas dos Pais (Kingpin Books, 2014), Terminal Tower (Chili Com Carne, 2014) e Acédia (Chili Com Carne, 2016), o seu primeiro livro a solo com o qual venceu o concurso 500 Paus. Em 2017 publicou Guimarães Jazz e o Futuro em parceria com Ivo Martins, no âmbito do festival GuimarãesJazz e em 2018 publicou o livro Ao Coração das Trevas para a colecção “Filme da Minha Vida”, pela Ao Norte. Nos últimos anos tem exposto em Portugal, Reino Unido, Suécia, Espanha, Brasil e Itália. Paralelamente desenvolveu trabalho musical em bandas como Sinter, Mécanosphère ou Iurta, tendo sido membro fundador dos Sektor 304.

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A TÉCNICA QUE DESENVOLVESTE PARA CHEGAR A UM APOCALIPSE ILUSTRADO É UM PONTO IMPORTANTE. COMO É TOMADA ESSA OPÇÃO E COMO SERVE O RESULTADO GRÁFICO QUE TINHAS EM MENTE?
Logo ao início tomei a decisão de que iria tentar eliminar a representação da figura humana ao máximo. Julgo que o Apocalypse Now é um filme muito atmosférico e quis dar ênfase aos elementos onde a narrativa se situa. O rio, a selva, o calor húmido são tão importantes como qualquer outra personagem. São também catalisadores da narrativa. Quis colocar o espaço em primeiro plano e acompanhar a viagem do Willard dessa forma: como uma sucessão de espaços, de momentos do seu percurso cristalizados, num adensar progressivo de nevoeiro e escuridão até ao que designo de “coração das trevas”, ou seja, o acampamento de Kurtz e o seu encontro com este.
Tecnicamente, o maior desafio prendeu-se com a escala do desenho. Tudo foi realizado à escala real, ou seja, os desenhos são pequenos, tive que trabalhar sob contenção e ainda assim manter um certo grau de fluidez e expressividade. Usei diversos materiais para desenhar, desde tecidos vários, lâminas, plásticos, pincéis velhos, borracha líquida, entre outros, para dar uma vida mais impressionista à paisagem, acentuando o lado atmosférico da selva, do rio e da neblina.
PODEMOS VER ESTE TRABALHO COMO SEQUÊNCIA DA LINGUAGEM QUE VENS EXPLORANDO, OU, PELO CONTRÁRIO, ILUSTRAR O APOCALYPSE LEVOU A PISAR OUTROS TERRENOS?
Desde o livro Terminal Tower, que desenvolvi em parceria com o Manuel João Neto, tenho vindo a tentar explorar técnicas que evidenciam uma abordagem mais atmosférica à representação e que tenta acolher elementos obtidos de forma acidental, o que me leva a encarar o trabalho como algo com uma vida própria e consequentemente com capacidade para me surpreender. Julgo que cada vez mais procuro trabalhar nessa mediação entre o acidente e o controlo. Este livro foi mais um passo na direcção daquilo que tenho vindo a construir como a minha linguagem. Neste caso, o desafio residiu essencialmente na forma como iria abordar o filme sem ser apenas uma transcrição literal, mas algo mais poético, menos nítido. É, afinal, um filme sobre as trevas interiores.
TRABALHAR UM FILME TÃO ICÓNICO, SIMULTANEAMENTE UMA HISTÓRIA DE VIOLÊNCIA, E UM DOS FILMES DA VIDA DE MUITOS CINÉFILOS, ELEVA A FASQUIA DA RESPONSABILIDADE? SERÁ QUE AÍ A EXPERIÊNCIA DÁ UMA AJUDA?
Não senti particular responsabilidade por isso, mas por ser um filme que me diz muito. Queria fazer algo com o qual tivesse uma relação de afinidade como tenho com o filme, ou, em última instância, algo que não fosse apenas “mais um trabalho”. Assumi desde logo que nunca iria fazer algo melhor do que o filme, por isso tomei a decisão de fazer algo diferente, contar a história de outra maneira, e acabei por utilizar todo um conjunto de referências literárias e poéticas inscritas no filme, como Conrad, T.S. Elliot e Jim Morrison.
O TEU TRABALHO LEVA-TE A CONHECER OUTROS AUTORES E A CONHECER UM AR DOS TEMPOS ATRAVÉS DO ESTADO ACTUAL DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA NO CAMPO DAS ARTES PLÁSTICAS. OLHANDO O QUE SE FAZ, O QUE TE INTERESSA (OU SURPREENDE) NESTE MOMENTO?
Pensando em autores e obras mais recentes, terei que referir Sírio do Martin López Lam, um livro recentemente editado pela Chili Com Carne. É sem dúvida um dos melhores trabalhos de banda desenhada editados em Portugal nos últimos anos. O brasileiro Pedro Franz é capaz de ser dos autores mais interessantes e cujo trabalho se estende até aos limites da linguagem da banda desenhada. Nesse sentido também sou grande apreciador da obra de Vincent Fortemps, Michael Matthys, Yvan Alagbé e do italiano Andrea Bruno, um dos artistas cujas ilustrações me seduzem pelo seu lado matérico, denso e pela poética do acidente.
Em Portugal, terei que referir a lufada de ar fresco que foram os livros do Francisco Sousa Lobo, o trabalho de Ana Biscaia, Dinis Conefrey e Tiago Manuel, com especial menção ao livro Cancer de Tilda Markstörm, um dos seus heterónimos. Interessam-me essencialmente autores que conseguem expressar-se de forma singular e cujo trabalho seja reflexo das suas intenções, ideias, discurso.

"Usei diversos materiais para desenhar, desde tecidos vários, lâminas, plásticos, pincéis velhos, borracha líquida, entre outros, para dar uma vida mais impressionista à paisagem, acentuando o lado atmosférico da selva, do rio e da neblina." André Coelho